ESTOU PERDIDO, DEVO PARAR? NÃO SE PÁRAS ESTÁS PERDIDO! Goethe

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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Conversa de café!



Tenho andado aturdido (ou azonzado, como diz o meu filho!) sobre a bipolaridade do discurso público em Portugal.

A queirosiana perspetiva "da choldra", tem-se vindo ultimamente a impor no discurso crítico dominante, em variadas versões, algumas muito lúcidas e vai sempre desaguar na solução de sempre - nada se resolverá enquanto não vier alguém de fora pôr mão nisto!
De acordo com esta visão, com mais de cem anos de tradição, este grupo de Iberos é ingovernável ( "não se governa, nem se deixa governar"*), é responsável pela sua própria desgraça e nada fará para sair dela (ainda ontem em artigo do Le Monde, se vaticinava que os portugueses caminham inexoravelmente para a pobreza coletiva).

Por contraposição existe uma tese desculpabilizante que atira para "os Outros" a responsabilidade dos nossos males - seja a crise internacional, a globalização desenfreada, os mercados soberanos, a Alemanha ou o FMI. Nesta leitura da realidade, somos sempre vítimas de campanhas conspirativas, pelo que nada podemos fazer, nem nos devemos preocupar com o assunto, porque o "Outro" é que terá de o fazer.
Nesta corrente de pensamento, muito antes de Boaventura Sousa Santos, foi mestre um bêbado da minha aldeia, de apelido sugestivo "O Fadista", que se endividava para além do passível de ser algum dia saldado, para fundamentalmente beber e jogar, em pose de grande senhor, no Casino. E quando se lhe perguntava se isso não lhe tirava o sono, respondia o Fadista: "Eu durmo bem e satisfeito que até levo uma boa vida! O que me custa a perceber é como os gajos que me emprestam o dinheiro, conseguem dormir!"
(A história é verídica e o Fadista morreu atropelado numa berma de estrada numa noite de maior felicidade, deixando um imensidão de financiadores frustrados e sete filhos sem ter de comer!).

O discurso oficial tem oscilado entre as duas versões, no seu situa"cinismo" cada vez menos convincente, mostrando-se incapaz de definir um rumo político para o País e resumindo o seu objetivo ao tentar manter-se à superfície! Convém lembrar que os mortos, quando começam a decompor-se também flutuam, sem que isso signifique nada de bom!

Ora do meu ponto de vista ambos os discursos têm aspetos corretos e estaríamos na altura de fazermos uma síntese de superação do dilema.

 Se uma instituição bancária abre falência seja por erros de investimento, fraude ou consequência de especulação desenfreada, não compete ao Estado, em nome de todos nós, ir a correr salvar o moribundo - apenas lhe compete honrar as suas obrigações legais, isto é, accionar e cobrir as garantias dos depósitos e gerir o processo de falência!
Se foram os bancos alemães ou franceses ou ingleses que vão ficar a perder, tanto pior para eles, que fizeram aplicações que se revelaram pouco assisadas! Agora endividar-nos a nós todos, para salvar o sistema financeiro do "risco de contágio" (mito por demonstrar que tem dado cobertura a todos os desvarios) e depois ir mendigar a esse mesmo sistema que nos financie o dia a dia, isso não!

Culpar os especuladores internacionais dos juros insustentáveis da dívida, sem que se consiga inverter a situação de dependência quotidiana da nossa economia, lembra-me o toxicodependente que em vez de deixar o vício, insulta o traficante por aumentar os preços da dose. E também nesse caso não falta quem desculpabilize o drogado - pelos problemas de infância, o contexto social ou psicológico, porque é um doente ... e que deveria ter acesso a doses gratuitas em salas de chuto decentes.

Só sairemos deste ciclo vicioso se formos capazes de mudar de vida, adaptando os nossos padrões de consumo às nossas possibilidades!
Só negociaremos com os nossos credores de cabeça levantada se soubermos que cada vez menos dependeremos deles!

O que se passa infelizmente está muito longe disto - e execução orçamental deste ano mantém o mesmo nível de despesa do ano anterior, apesar dos PECs, das ameaças e dos compromissos. Continua-se à espera de resolver o problema à custa de receitas extraordinárias - só que quando acabarem os anéis, começam a ir os dedos. E já estamos perto das amputações.

Competiria aos lideres, não só por questões de exemplo moral mas porque de fato estão nas suas mãos as decisões mais difíceis e importantes, passarem a não transigir com qualquer despesa que não se revele essencial, mesmo quando isso contrarie hábitos e ideias feitas!
E esperar que por evidência esta atitude contamine os cidadãos, quando finalmente estes perceberem duas coisas - que a situação é de facto insustentável e que depende de nós a sua solução (contrariando as duas correntes de racionalização conhecidas: a que desculpabiliza os portugueses - "a culpa é dos outros" - e a que acha que só alguém de fora vai endireitar isto - "porque isto é uma choldra"!

Advogo pois uma terceira via, a da responsabilidade e da dignidade, uma verdadeira revolução cultural!
Isto implica que todos se sintam mobilizados para discutir os assuntos públicos como seus - que nos preocupem mais as finanças públicas, que o enredo das novelas, que sejamos tão intolerantes com os políticos que erram ou roubam, como somos com os treinadores que não conduzem o nosso clube à vitória, que houvessem multidões a acenar lenços brancos numa visita de um ministro que não atingisse os objetivos propostos, que se entrasse num café e se ouvissem acaloradas discussões sobre a execução orçamental ...

Será isto possível? Possível é ...!
Ficaremos mesmo mais pobres?, haverá fome?, insegurança pública?, perda da independência?, retrocesso civilizacional?  É mesmo muito possível!

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*«Há, na parte mais ocidental da Ibéria, um povo muito estranho: não se governa nem se deixa governar!» - escrito no séc. I ou II a. C. por um general romano em serviço na Ibéria, em carta enviada ao Imperador. A autoria da frase passou mais tarde a ser atribuída a Caio Júlio César.

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