ESTOU PERDIDO, DEVO PARAR? NÃO SE PÁRAS ESTÁS PERDIDO! Goethe
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domingo, 5 de dezembro de 2010
Doutores da Mula Ruça
Nas poucas vezes que escrevi neste blog sobre assuntos que domino melhor, em virtude do meu percurso académico e profissional, em que me permiti opiniões mais fundamentadas e menos "universais", despertei variadas reações de intolerância, a remeterem-me para a "minha ignorância sobre o tema".
Fiquei surpreso com tantos "doutores da mula ruça", mas a verdade é que juntamente com os "engenheiros de obras feitas" e os "treinadores de bancada", são dos profissionais em que o país mais é pródigo!
Esta expressão. usada regularmente em Portugal, é como é sabido, dirigida em tom sarcástico e pejorativo, às qualificações académicas do visado.
Mas o que nem todos saberão, é que ao contrário das outras expressões do género, o "Doutor da Mula Ruça" existiu mesmo.
Em 1534, o livro da Chancelaria de El Rei D.João III refere-se-lhe explicitamente. António Lopes, que exercia medicina na cidade de Évora, teria alegadamente estudado medicina em Alcalá de Henares, mas não possuía qualquer comprovativo.
Figura popular na região, entre outras razões por se deslocar sempre na sua mula ruça, era contestado pelos físicos diplomados que o tentavam impedir do exercício da medicina.
Sendo D.João uma visita assídua da cidade, dirigiu então António Lopes uma petição ao Rei, pedindo-lhe que o seu médico principal pudesse testar os seus conhecimentos de ciência médica, facto que terá efectivamente ocorrido segundo o extracto do livro da Chancelaria:
"Dom Joham III a quantos esta minha carta virem, faço saber que o doutor António Lopes, físico de Évora, me apresentou ua carta do doutor Diogo Lopes, meu físico moor, de que o theor de verbo é o seguinte: O doutor Diogo Lopes, comendador da Ordem de Christo e físico moor del Rey Nosso senhor em seus regnos e senhorios, faço saber a quantos esta minha carta de doutorado virem como por António Lopes, físico da mula ruça, morador em esta Évora, me foy apresentado hum allvará dellRey nosso senhor, por sua alteza assygnado e passado per sua chancelaria do qual o trellado he o seguinte: Eu ell Rey, faço saber a vós Doutor Diogo Lopes seu fisico moor, que António Lopes, físico da mula ruça, morador en esta cidade, me dice por sua petiçam que elle estudou nove ou dez annos no estudo de Alcala de Henares."
E com esta conseguiu o doutor da mula ruça que o não impedissem do seu exercício profissional e além do mais ficar imortalizado, ainda que jocosamente.
(O método usado para a certificação, hoje muito em voga, é o da citação circular e desresponsabilizante - o rei cita o seu médico, que por sua vez cita o rei, que mais não fez que citar o requerimento.)
Quase 500 anos depois, um engenheiro diplomado num fim de semana, inspirado na benevolência de Dom João III, criou as Novas Oportunidades, institucionalizando a certificação de todos os candidatos a doutores, que apresentem petição.
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Talvez seja uma mudança de "paradigma" (como eu gosto desta palavra :)), mas antigamente - "no meu tempo" (já não gosto tanto :(), um curso universitário visava formar a elite da nação (agora a expressão "elite da nação" faz-me chorar ;().
ResponderEliminarNo actual "paradigma" para botar meias solas nuns sapatos, é necessário uma formação depois do 12ºano, e o sapateiro passou a ter um curso superior, e quem quizer reconhecimento pela diferenciação, tem de mantem-se na Universidade ano após ano, mestrado após mestrado e sai de lá aos sessenta anos a falar do que nunca fez.
Afinal, quem critica o Sócrates precisa em 1º lugar de definir o que são habilitações/diplomas/certificados e se correspondem a conhecimento ou não. Quantos milhares de licenciados em língua francesa pelas ilustres universidades e que não sabem falar francês? E quantos licenciados em Engª que não percebem praticamente nada do assunto, e que são os pedreiros que lhes transmitem o conhecimento?
ResponderEliminarAcabem com essas tretas dos diplomas e concentrem-se é em adquirir o conhecimento, para finalmente saberem fazer qualquer coisa na vida.