ESTOU PERDIDO, DEVO PARAR? NÃO SE PÁRAS ESTÁS PERDIDO! Goethe

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quinta-feira, 14 de junho de 2012

Expiação - Ian McEwan



Aconselharam-me que não se deve ler um autor de atacado, por se gostar muito da sua obra!
E como começo a estar numa idade em que dou ouvido aos conselhos (sabedoria maior que alguns têm a sina de trazer de pequenos - mas o que perdem em descobertas ... e cabeçadas!?), assim tenho feito!
McEwan seria talvez o autor que eu referiria como preferido, se tivesse que responder a algum inquérito da silly season que se avizinha! (esta revelação vai-me impedir de o nomear na pergunta para desbloquear o pin do banco ...)
Dele já li os excelentes "Amsterdam" e "Sábado", o bom "Criança no tempo", o agradável "Solar" e agora delicio-me com "Expiação", obra maior em que à argúcia da análise social, se somam personagens bem caracterizadas psicologicamente e um enredo fabuloso e contido, amarrando-nos à leitura, sem precisar de recorrer à  pirotecnia do suspense.
Fico ainda com alguns livros de reserva (7) para me refugiar em porto seguro, quando sentir vontade!
(Trato a minha biblioteca com o mesmo cuidado com que giro a garrafeira!)
Como hoje estou mais de apartes de que de prosa corrida, aproveito para refletir sobre a forma como cada um lê um livro.
Sei de pessoas que engolem um romance num dia (e evitei os verbos mastigar e digerir, porque obviamente não dá tempo para isso!). Se tal será possível (com que proveito?) na chamada literatura ligt, pré digerida, já se me afigura difícil - e um desperdício - em obras de maior complexidade! Acho mesmo um desrespeito pelo autor, que passou meses ou anos, a planear, escrever, rever uma obra que desejou perfeita, com muitos recantos a descobrir, muitas chaves a decifrar, ver-se assim aviado em três tempos!
Mas o que me leva a ler devagar - a precisar de duas ou três semanas para fruir um livro de que gosto, é o prazer do seu convívio, um universo autónomo em que entro, umas personagens quer quero ter tempo para conhecer, para dialogar, compreender!
A diferença é a mesma que entre viajar de carro em autoestrada ou peregrinar a pé - uma faz-se por necessidade, a outra por prazer!

Em Expiação, Brionny (na imagem as suas intérpretes no filme Atonement, aos 13, Saoirse Ronan e aos 77 anos, Vanessa Redgrave), torna-se enfermeira em Londres durante a segunda guerra mundial.
E transporta-nos magnificamente para o espírito da época. À austeridade, à anulação da personalidade, à rotina obsessiva que se exigia a uma enfermeira - mas também a um conceito de Medicina que hoje nos parece remoto. Há uma passagem eloquente em que refere que a prescrição de permanecer no leito, era entendida como uma terapêutica, um ato rigoroso incontornável - um doente tinha que evacuar numa aparadeira, fazer a higiene na cama, se tal fosse a indicação médica, mesmo que a sua situação lhe permitisse soluções mais práticas e confortáveis.
A medicina ainda vive muito de mitos, falácias e encenações - mas felizmente tem-se vindo a transformar numa prática mais racional e humanizada.
Ao ver hoje uma enfermaria de Pediatria em que as crianças brincam a maior parte do tempo (quando podem, naturalmente!), têm a presença permanente dos seus próximos e permanecem internados o tempo
mínimo indispensável à realização dos atos diagnósticos e terapêuticos mais complexos, tenho tendência a esquecer de como as coisas eram quando comecei a exercer - as pobres crianças doentes permaneciam às vezes semanas internadas à espera da realização de um exame, eram barbaramente separadas da família que não podiam permanecer continuadamente nos serviços (pernoitar, nem pensar!), eram alectuadas compulsivamente, passando muitas vezes as 24 horas do dia na cama, sem nada o aparentemente justificar...
E nada disto se passava por altura da 2ª guerra ... e como algumas destas práticas nos pareciam na altura inevitáveis!? ( Já agora um grande orgulho de ser um personagem ativo dessa transformação comportamental que se continua a operar ...)
Servem as obras de arte para isto - para nos situar, questionar, desafiar, relembrar, impulsionar o progresso e deleitar-nos!
Os blogues permitem-nos deixar pegadas ...

1 comentário:

  1. Os blogues permitem-nos deixar pegadas e conversar com estranhos, sem que isso tenha nada de estranho.
    Hoje toca em dois temas a que sou sensível Tenho 2 filhos já homens, mas desde que nasceram tive dois medos; morrer antes que tivessem 18 anos (terror de terem madrasta sendo menores) e um dia ter de os deixar no hospital onde eu não poderia ficar.Nada disso aconteceu, felizmente.
    Ian McEwan é também um dos meus escritores favoritos, que gosto de saborear.
    Entre os que tem de reserva deve ter "Na Praia de Chesil", um dos meus preferidos.

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