ESTOU PERDIDO, DEVO PARAR? NÃO SE PÁRAS ESTÁS PERDIDO! Goethe

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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Adriano


"Petite âme, âme tendre et flottante, compagne de mon corps, qui fut ton hôte, tu vas descendre dans ces lieux pâles, durs et nus, où tu devras renoncer aux jeux d’autrefois. Un instant encore, regardons ensemble les rives familières, les objets que sans doute nous ne reverrons plus... Tâchons d’entrer dans la mort les yeux ouvert."»


Li, pela primeira vez, as Memórias de Adriano, com vinte e poucos anos. Lembro-me ter sido uma leitura custosa, havia tanto a aprender em cada página, mas ficou-me a recordação do encantamento.
Releio-o agora: "Quanto a mim, era aos 20 anos pouco mais ou menos o que sou hoje, mas era-o sem consistência" - diz Yourcenar/Adriano. Também Marguerite carregou este livro dentro de si a amadurecer, uma vida - iniciando o projeto na juventude ( primeira visita à Vila Adriano em 1924 com 21 anos), desistiu dele, destruindo várias versões, mas como refere nas suas notas, passando a sua vida como que inconscientemente a preparar-se para este desafio. Em 1949 retoma a sua escrita, não aproveitando nada de nenhuma versão anterior e publica-o em 1951.
Esta segunda leitura foi-me fácil e agradável - pareceram-me naturais e acessíveis as reflexões do Imperador e apercebi-me quanto esta obra influenciou o meu carácter e a minha perspetiva de vida. É concerteza um dos livros da minha vida.
Sendo uma pseudo autobiografia, rapidamente nos esquecemos da "intermediação" e sentimos que estamos a ser confidentes daquele que foi um dos Homens mais poderosos da História, que fruto da adoração coletiva se sentiu ascender a um estatuto  divino e que o envelhecimento o faz confrontar com a sua dimensão mortal. ( "... preferia a morte, à decadência ...").  Como se de uma médium se tratasse, a autora consegue anular-se, recorrendo a técnicas que dão verosimilhança às memórias - confessa cumplicemente correções aos dados históricos ( "... quando cozinhava, não era por desconfiança, como se cria, mas para ter mais intimidade!", " Vou fazer o relato, este sim sincero e fidedigno, embora tenha ditado as memórias oficiais, reais, mas condicionadas pelas aparências."), assume convincentemente o sofrimento que resulta da doença (hidropsia cardíaca) e o distanciamento dissociativo, corpo/alma, do Imperador ("A minha pessoa apagava-se, porque precisamente o meu ponto de vista começava a contar!").
Adriano, fica assim após as primeiras páginas livre para nos falar diretamente através do tempo e nós deixamo-nos seduzir por este homem, que perseguiu a paz ( " sabia que o bem, como o mal , é uma questão de rotina."), o prazer ("todo o prazer, sentido com gosto, me parece casto.") e a liberdade ("por mim procurei mais a liberdade que o poder e o poder somente porque em parte favorecia a liberdade").
Devoto da Cultura Helénica, que sinceramente considerava superior ("tudo o que cada um de nós pode tentar para prejudicar os seus semelhantes, ou para os servir, foi pelo menos uma vez, feito por um grego"), dotou Roma de uma ordem jurídica de inspiração grega, promoveu o Paganismo como percursor do estado laico e cultivou o despojamento, nunca se sentindo atraído pelas mordomias da capital, preferindo uma vida quase itinerante pelas bordas do Império.
Também no amor teve os gregos por modelo - a maior paixão da sua vida foi o jovem Antinoo, afogado no Nilo com 20 anos em 130 dC (auto-imolado em sua honra?) e em memória do qual fundou a cidade de Antinópolis no Alto Egipto, de onde era originário. Mas foi de Plotina, mulher de Trajano, seu antecessor, que esteve espiritualmente mais próximo, compartilhando a sua filosofia Epicurista.
Concebido como legado espiritual ao jovem Marco Aurélio, que Adriano escolheu para seu sucessor, é também um tratado sobre o poder, a intriga política e social e todas as questões intemporais que continuam a afligir a Humanidade. ("Há mais de uma sabedoria e todas são necessárias no Mundo - é bom que alternem.").
Livro de História, de Memórias, de Filosofia, de Geopolítica, este é um livro fantástico, mas que pode ser perigoso ler sózinho - a sensação de intimidade com um ser superior, pode ser inebriante!
("Um homem que lê, que pensa ou que calcula, pertence à espécie e não ao sexo - nos seus melhores momentos, escapa mesmo ao humano."). Boa leitura!

3 comentários:

  1. "Este jogo misterioso que vai do amor de um corpo ao amor de uma pessoa pareceu-me suficiente belo para lhe consagrar uma parte da minha vida.”

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  2. É muito bom ter leitores atentos! Obrigado!

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  3. No meu silencio...observo o jogo misterioso...

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