" Quando eu escrevo a palavra ação, por magia ou pirraça, o computador retira automaticamente o c na pretensão de me ensinar a nova grafia. De forma que, aos poucos, sem precisar de ajuda, eu próprio vou tirando as consoantes que, ao que parece, estavam a mais na língua portuguesa.
Custa-me despedir-me daquelas letras que tanto fizeram por mim. São muitos anos de convívio. Lembro-me da forma discreta e silenciosa como todos estes cês e pês me acompanharam em tantos textos e livros desde a infância.
Na primária, por vezes gritavam ofendidos na caneta vermelha da professora: não te esqueças de mim!
Com o tempo, fui-me habituando à sua existência muda, como quem diz, sei que não falas, mas ainda bem que estás aí. E agora as palavras já nem parecem as mesmas.
O que é ser proativo? Custa-me admitir que, de um dia para o outro, passei a trabalhar numa redação, que há espetadores nos espetáculos e alguns também nos frangos, que os atores atuam e que, ao segundo ato, eu ato os meus sapatos.
Depois há os intrusos, sobretudo o erre, que tornou algumas palavras arrevesadas e arranhadas, como neorrealismo ou autorretrato. Caíram hifenes e entraram erres que andavam errantes. É uma união de facto, para não errar tenho a obrigação de os acolher como se fossem família.
Em 'há de' há um divórcio, não vale a pena criar uma linha entre eles, porque já não se entendem.
Em veem e leem, por uma questão de fraternidade, os és passaram a ser gémeos, nenhum usa chapéu.
E os meses perderam importância e dignidade, não havia motivo para terem privilégios, janeiro, fevereiro, março são tão importantes como peixe, flor, avião.
Não sei se estou a ser suscetível, mas sem p algumas palavras são uma autêntica deceção, mas por outro lado é ótimo que já não tenham. As palavras transformam-nos. Como um menino que muda de escola, sei que vou ter saudades, mas é tempo de crescer e encontrar novos amigos. Sei que tudo vai correr bem, espero que a ausência do cê não me faça perder a direção, nem me fracione, nem quero tropeçar em algum objeto abjeto.
Porque, verdade seja dita, hoje em dia, não se pode ser atual nem atuante com um cê a atrapalhar."
Manuel Halpern
Sendo os portugueses um povo aclamado pela sua capacidade de adaptação, fica já aqui a informação sobre a próxima adaptação linguística a que seremos sujeitos, de acordo com norma recente da Comissão Europeia:
"The European Commission has just announced an agreement whereby English will be the official language of the European Union rather than German, which was the other possibility.As part of the negotiations, the British Government conceded that English spelling had some room for improvement and has accepted a 5- year phase-in plan that would become known as "Euro-English".
In the first year, "s" will replace the soft "c".. Sertainly, this will make the sivil servants jump with joy. The hard "c" will be dropped in favour of "k". This should klear up konfusion, and keyboards kan have one less letter.
There will be growing publik enthusiasm in the sekond year when the troublesome "ph" will be replaced with "f". This will make words like fotograf 20% shorter.
In the first year, "s" will replace the soft "c".. Sertainly, this will make the sivil servants jump with joy. The hard "c" will be dropped in favour of "k". This should klear up konfusion, and keyboards kan have one less letter.
There will be growing publik enthusiasm in the sekond year when the troublesome "ph" will be replaced with "f". This will make words like fotograf 20% shorter.
In the 3rd year, publik akseptanse of the new spelling kan be expekted to reach the stage where more komplikated changes are possible.Governments will enkourage the removal of double letters which have always ben a deterent to akurate speling.
Also, al wil agre that the horibl mes of the silent "e" in the languag is disgrasful and it should go away.
By the 4th yer people wil be reseptiv to steps such as replasing "th" with "z" and "w" with "v".
During ze fifz yer, ze unesesary "o" kan be dropd from vords kontaining "ou" and after ziz fifz yer, ve vil hav a reil sensibl riten styl.
Zer vil be no mor trubl or difikultis and evrivun vil find it ezi tu understand ech oza.
Ze drem of a united urop vil finali kum tru.
Und efter ze fifz yer, ve vil al be speking German like zey vunted in ze forst plas.
If zis mad you smil, pleas pas on to oza pepl."
Lá terá de ser ...
Um óptimo texto!
ResponderEliminarEu já optei por não mudar, salvo quando escrever qualquer coisa para publicar fora do ambito pessoal.
Não tenho nada contra o acordo, mas do mesmo modo como já não visto alguma peças de vestuário, também acho que devo manter a escrita pessoal como está!
Realmente, as alterações no uso do hífen são, no mínimo, estranhas.
ResponderEliminarEu entendo a remoção das consoantes mudas e dos acentos diferenciais, se não por outra coisa, apenas para normalizar a ortografia em todos os países lusófonos. Não vejo a necessidade, mas entendo a proposta.
Agora, quanto aos hífens... apenas complicaram ainda mais, e sem razão aparente! Ou melhor, as razões parecem ser duas: publicar e vender livros explicativos e manter a necessidade de, daqui a uns vinte anos, realizar outra reforma! Afinal, os gramáticos precisam dar de comer aos filhos...
Para um brasileiro o acordo faz menos impressão que para um português. Por exemplo eu leio mesmo o c de espectador. Para dizer Egipto, onde leio o p terei que escrever Egipeto? Ou maudar a forma de falar? Isso já mexe com demasiados neurónios!
ResponderEliminarE depois se passarmos a falar todos da mesma maneira, até deixamos de achar piada uns aos outros!