ESTOU PERDIDO, DEVO PARAR? NÃO SE PÁRAS ESTÁS PERDIDO! Goethe

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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

As Vinhas da Ira



Alguém disse, que cada pessoa é ela própria mais as suas circunstâncias!
Este livro, uma saga épica de uma família e dum povo, não podia ser mais demonstrativo desta asserção.
Uma família rural, conservadora, da América profunda, submetida à dura prova da perda da terra, com a sobrevivência em risco, vai, conforme migra para oeste, modificando o seu modo de pensar, a sua dinâmica interna de poder, a sua forma de estar na vida.
Mantendo-se fiel aos seus princípios, radicaliza as suas posições, porque assim lhe ditaram as circunstâncias.
Escrito na perspetiva dos desamparados, faz-nos entrar na sua pele (no que somos ajudados pelo contexto social atual!) e ver o mundo na "perspetiva bolchevista"! Sentimo-nos acossados, "oackies" e respeitamos a sua dignidade intacta, face à sua desesperada situação.
Imaginamos que se fossemos um Californiano "invadido", pensaríamos de forma diversa, atemorizados pela concorrência desleal de quem não tem nada a perder, quiçá roçássemos o chauvinismo, como somos tentados face aos romenos que nos perturbam, porque são sujos, ladrões, capazes de tudo!

As personagens revelam uma pujança quase indestrutível, fortemente ancorada numa coesão familiar que mantêm apesar de todos os malogros que se vão sucedendo. A figura matriarcal, uma verdadeira mãe coragem brechtiana, assume os comandos do destino colectivo, percebendo ser a figura charneira da família.
A escrita tem um tom descritivo detalhado, realista, que nos convoca para a história e nos vai envolvendo irreversivelmente no destino dos Joad. Alternando com os capítulos em que é explanada a história, surgem "intermezos reflexivos", que teorizam ou contextualizam a ação que vai decorrendo.
Há verdadeiras jóias como o capítulo que descreve o negócio do comércio de viaturas usadas e que estou em crer ajudou a criar o arquétipo do "vendedor de automóveis"; ou o diálogo da mãe com o empregado do armazém da quinta onde colhem algodão, em que a sua frontalidade e simplicidade, desmonta desconcertantemente o cinismo verruminoso do lojista.

Os curiosos pela mecânica automóvel, têm neste romance, em que um velho camião é uma das personagens centrais, motivos de júbilo suplementares.
A narrativa é também uma road story ao longo da mítica 66, muito antes de Kerouac lá voltar - em vez dos móteis temos aqui as bermas e os acampamentos clandestinos, o psicadelismo é aqui substituído pela fome e o medo, as trips desta história são o sentimento de injustiça e revolta que vai fermentando.

Depois de ter criado uma intensidade dramática fortíssima, Steinbeck termina o livro com um episódio que foi à época mal aceite e que continuo a achar desnecessário e excessivo, mas que consegue pela sua intensidade rematar a história, deixando contudo em suspenso o destino dos Joad.
Nesta epopeia, um ácido cepticismo sobre a natureza humana, co-habita com a esperança no futuro, pela nossa capacidade, quase sem limites, de sobreviver, nos contextos mais adversos.

O Mundo continua igual quase cem anos depois e embora a envolvência histórica em que decorre a acção nos permita contornar a  angústia, torna-se óbvia uma coisa tão simples, mas tão esquecida como esta: aquilo que nos parece adquirido e irreversível, rapidamente desaparece se assim for ditado pelas circunstâncias.
Esperemos que não venhamos nunca a ter as nossas hoovervilles (cavacovilles, socratovilles, sei lá!).

1 comentário:

  1. Na route 66 ainda não havia motéis mas foi precisamente nesse êxodo por essa estrada que eles foram inventados. Como institucionalização comercial dos tais acampamentos à beira da estrada.

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